Maringá

Cine Maringá: o início, o meio e o fim

1986


A foto é da reinauguração do Cine Maringá, em 1986. À esquerda, o gerente Geraldo Veroneze ao lado do sócio-gerente Ronaldo e Ferrari Jr. A grande sala passou a ter mil lugares e avançou a fachada. Depois receberia o sistema de projeção Xenon (que substituiu o carvão) e som dolby estéreo. Em 3 outubro de 1999, prestes a fechar definitivamente, o Cine Maringá foi destaque de pagina inteira na edição de domingo em O Diário do Norte do Paraná. O elegante texto teve a assinatura do jornalista Elvio Rocha. 

“Maio, 9, 1953. Quase 3 mil pessoas se amontoam sobre a pista de paralelepípedos da avenida Getúlio Vargas (na verdade, na época era Ipiranga o nome da via), centro do vilarejo que já se diz cidade. A obra em frente, cuja inauguração reúne tanta gente, ternos de linho, vestidos vaporosos, sotaques diferenciados, carregados de sabores pátrios distantes, é imponente. A sociedade engalanada desfila. Os mais modestos, ainda recendendo ao cheiro da peroba e da canela, derrubadas durante o dia, perdem a timidez, misturam-se aos ricos, numa festa rigorosamente de todos.

A fachada externa, em mármore, ainda não está concluída. Parte da fila que se comprime na rua fica, por isso, estacionada sob andaimes.

As estranhas placas de concreto estampadas em baixo relevo, com motivos da civilização Inca, na entrada da sala de sessões, evocam mistérios dos altiplanos andinos.

AO REDOR

O burburinho aumenta, e enorme. Pode ser ouvido a 200 metros dali, no pequeno prédio da prefeitura onde o prefeito Dr. Villanova (...) despacha com seus auxiliares. O movimento é percebido também no outro extremo da avenida, já ao lado da Brasil, onde ficava o Banco do Estado do Paraná.

O dia amanheceu lindo, céu azul, sol radiante. Dia da inauguração do Cine Maringá com seus 1.800 lugares, quase a metade na parte superior, no setor Pullmann.

O determinado Anníbal Bianchini e seus funcionários da Companhia Melhoramentos fizeram o impossível. Em dois dias, iniciaram e completaram o ajardinamento e os canteiros floridos nas três quadras que ficavam próximas ao cinema.

Outra atração: três postes, com lâmpadas potentes, alimentados por um gerador, foram instalados em frente ao cinema. As luzes acesas, somadas às da fachada, eram um símbolo do desenvolvimento, do progresso pedia passagem entre colonos rústicos, senhorinhas belas, fazendeiros cultos.

GENE KELLY

A noite chegava. As portas do cinema foram abertas. Houve empurra-empurra, gritinhos nervosos, não-me-toques das madames, enquanto maridos cofiavam os bigodes, as suíças impecavelmente tratadas ou ajeitavam os paletós num início de inverno que já se delineava. A multidão crescia.

Lá dentro, as longas cortinas em tom bege escondiam a tela de 20 metros de largura por seis de altura. Os equipamentos de projeção comprados ao consórcio anglo-francês Gaumont Kelly, a sonorização moderníssima para a época preparava se para dar vida aos volteios Kelly, em "Cantando na Chuva”, filme escolhido para a inauguração.

PREVISÃO

Minutos antes da multidão encher o cinema, o dono da empresa, João Passos, que residia em Botucatu (a família ainda permanece naquela cidade do interior paulista) devassa com o olhar o enorme salão e faz uma previsão:  “Em três anos vamos conseguir manter essa sala cheia”. (...)

Passos se equivocou no prazo. Seis meses depois da sessão inaugural, beneficente, promovido pelo Rotary Clube, o filme “O Cangaceiro” antecipava a previsão superlotando o cinema. Daí em diante, nas matinês realizadas aos sábados, com “fitas de faroeste” ou nas concorridas sessões de domingo, a casa estava sempre lotada. (o sócio local era Odwaldo Bueno Netto).

LAZER

O Cine Maringá era um ponto de encontro. As luzes da fachada e dos três postes que ficavam em frente ao prédio atraíam os maringaenses. Como insetos. Terminada a última sessão noturna, quando as luzes eram apagadas, os grupos de rapazes reclamavam, vaiavam, relembra Geraldo Veroneze, que se aposentou em janeiro de 1999, mas guarda todas as memórias deliciosas do Cine Maringá, que se confundem com a da própria cidade.

ASSÍDUOS

O cinema tinha frequentadores assíduos, como os médicos Wellington Borba Cortes e Jorge Sato, e, o advogado Altino Borba, que não perdiam a matiné dos sábados. Alguns desses habitués do Cine Maringá já se foram, como Sato. Veroneze conta que quando um deles não comparecia à matiné, ficava preocupado. Chegava a telefonar para a casa do faltoso para saber o que havia acontecido. A camaradagem era a marca daqueles tempos.

SAUDADE

Sentado num dos bancos do canteiro central da avenida Getúlio Vargas, na última sexta-feira, o aposentado Delço Ribeiro. 73, que mora num dos primeiros edifícios de Maringá, o Maria Teresa, detém parte dessa história do primeiro cinema da cidade. Ele, a mulher e os filhos tinham só o trabalho de atravessar a rua para acompanhar os lançamentos do cinema nacional e internacional. E fica uma saudade imensa desse patrimônio que já deveria ter sido tombado pela prefeitura, pondera Ribeiro.

AMORES

O próprio Veroneze conheceu a namorada, Clotilde, no cinema. Casaram-se, depois.  Outros casais de namorados como o prefeito Jairo Gianoto e dona Neusa guardam boas lembranças daquela época. Juras de amor, amores desfeitos e amores reatados dividiam a cena com os galãs John Wayne, Victor Mature, Kirk Douglas, os Roberts Wagner e Mitchum, Clark Gable, ou com as musas Rita Haiworth, Gina Lollobrigida, Ingrid Bergman e as insinuantes Bardot e Monroe, que decididamente nunca foram santas.

FESTIVAL

No final dos anos 50, um grande Festival do Cinema Nacional trouxe à cidade Odete Lara e os grandes artistas e diretores dos filmes que participaram da mostra competitiva. As estrelas do movimentado cinema brasileiro da época tinham de atravessar a avenida sobre uma passarela construída especialmente para a ocasião, que desembocava dentro do cinema. Os modelos usados por artistas como Odete Lara provocavam delírio no meio da multidão que ocupava toda a extensão da avenida.

O festival, promovido pelo fazendeiro Renato Caledônio, mais tarde eleito deputado federal, teve fôlego curto. Não passou da primeira edição, confirma Veroneze.  O glamour do Cine Maringá, no entanto, não dava mostras de desaparecer. Nos anos sessenta, nas sessões de sábado - domingo, dois policiais em uniformes de gala, com os espadachins presos à cintura, atuavam para manter a ordem. Resquícios encantadores do passado.

BOMBAS

Explosões de bombas dentro do cinema não eram raras. O editor chefe de O Diário, Edson Lima, e mais alguns colegas, quando jovens, promoveram dois desses estrondos com o cinema lotado. Um dos petardos explodiu no banheiro, paralisando a projeção. O outro, segundos depois, estourou sob uma poltrona da primeira fila. “Foi um susto danado”, recorda Lima. A molecagem, porém, nunca foi descoberta.

EXPULSOS

O gerente Veroneze, em certa ocasião, aturdido por uma dessas explosões, não vacilou. Mandou interromper a projeção, enquanto a nuvem de fumaça tomava conta do ambiente e determinou que os espectadores sentados do meio da sala até a fileira mais próxima da tela fossem colocados para fora. Curiosamente, ninguém reclamou.

Lá fora, na rua, os garotos e adolescentes trocavam gibis, batiam figurinhas, lançavam olhares impetuosos para as meninas ou para os cartazes de filmes que exibiam as starlets em vestidos decotados, poses provocantes.

FANTASMAS

Foram 46 anos de história. Provavelmente não chegará ao 47º aniversário. É o que pressagiam os ventos. O filme em cartaz nesta sexta-feira, 1º  de outubro, “A Casa Amaldiçoada” com a exuberante Catherine Zeta-Jones, afirma que “alguns lugares não querem ser habitados”. Parece um aviso, uma profecia. Que os fantasmas da cultura, das artes, jamais o abandonem, de fato. Hão de reclamar seu espaço, certamente.” 

Em 1999, o Cine Maringá fechou as suas cortinas. 

Fontes: O Diário do Norte do Paraná de 3 de outubro de 1999 / Acervo do jornalista Marcelo Bulgarelli / Acervo Maringá Histórica.

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